A Violação não deve depender de queixa

Nos últimos meses, mais uma vez, veio à discussão pública a questão da queixa no crime de violação. Ciclicamente, discute-se se deve continuar a ser assunto privado, ou se pela sua gravidade e danos futuros, deve ser considerado de interesse público prevenir a sua perpetração e punir quem o pratica.  

A regra sobre a natureza dos crimes quanto à queixa, obedece sobretudo à gravidade do crime, entendida não apenas com base no bem jurídico tutelado pela norma, mas também com o dano do resultado, e de acordo com a culpa em sentido lato. 

Claro que o Homicídio é um caso especial, por causa da vida, que é um bem jurídico superior. Daí que, quer o doloso, quer o negligente fosse sempre crime público, por ser sempre gravíssimo tirar a vida a alguém, embora, como é óbvio não fosse indiferente se o autor tivesse querido matar ou se tivesse causado a morte por falta de cuidado e daí as penas aplicáveis serem substancialmente diferentes.

Mas, em princípio, assim sucedia igualmente nos crimes violentos, que em princípio não dependem de queixa para se dar início ao procedimento criminal. Enquanto o crime de furto, dependerá geralmente de queixa, já o crime de roubo devido à componente de violência na sua execução, será público.

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A violação não é assunto privado

Ainda a violência sobre as Mulheres e as crianças e as medidas sempre

adiadas para acabar com ela.

Em Abril, costumo escrever sobre a importância de prevenir e combater a
violência sobre as crianças. Especialmente desde que há uns anos, a
Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens vem assinalando
Abril como mês da prevenção dos maus tratos na infância. Foi com base
numa atitude de uma avó que decidiu viajar com um grande laço azul,
símbolo da côr que cobriu seu neto, falecido na sequência da violência de
seu padrasto.
Todos os pretextos são bons no sentido da consciencialização para este
fenómeno ainda tão extenso e com consequências tão negativas. Por isso,
ainda que Abril me traga outras recordações, obrigo-me primeiro a
escrever sobre a violência infligida às crianças. Por todo o País, muitas
CPCJ e ONG tomam iniciativas nesse sentido, e nestes mais de 30 anos de
Convenção e 40 desde o ano Internacional da Criança, creio que de
alguma forma se generalizou a rejeição e a censura, pelo menos através
das palavras, do mau trato e do abuso infantil. O mesmo não sucede com
as violências perpetradas sobre as mulheres, de forma que decidi alargar o
meu grito de repúdio, mesmo sabendo que só pode ser ouvido pela
escrita, mantendo a esperança de ajudar a que seja feito um caminho
justo.

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O ano das Pandemias

O ano de 2021 começou agora e Portugal assumiu a Presidência da União Europeia pela quarta vez, num momento dominado por duas preocupações especiais: a pandemia do Covid 19 com todas as suas consequências a nível social e as eleições presidenciais. 

A palavra Pandemia passou a dominar os discursos, e com estes números relativos aos contágios que dispararam logo no início do ano, nem as vacinas conseguiram destroná-la. Receio bem que mais uma vez a emergência climática seja adiada e que o combate às outras pandemias, às ancestrais, da violência contra as mulheres e crianças seja apenas mencionado, mas que as medidas fiquem, como sempre, bastante aquém do que é indispensável para produzir resultados. 

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Em Defesa de Clara Sottomayor

Já é a terceira vez que inicio este artigo. Sei que da segunda vez que tentei escrever só pensava nas motivações diversas das pessoas que as levaram a estudar Direito. Ouvi muitos que não gostavam de matemática, outros que tiveram de trabalhar e o Direito oferecia aulas pós-laborais, poucos que quisessem lutar pela Justiça. Mas todas essas considerações poderei desenvolvê-las mais tarde. Agora tenho pressa de dizer o que considero essencial.

É curioso. Quem leia apenas os dois últimos títulos dos textos deste blog, até poderá pensar que em vez de magistrada do Ministério Público, tenha feito a minha carreira profissional na Advocacia, porque se associa o MºPº à Acusação e a Advocacia à Defesa. Mas essa é uma forma simplista de ver as coisas porque o MºPº deve estar sempre do lado da Verdade e dos Direitos Fundamentais. Daí que lhe caiba acusar os agressores e assim defender, por exemplo, as vítimas de violência doméstica,  ou ainda acusar os violadores de crianças e tudo fazer para garantir protecção e segurança às vítimas, designadamente, através de medidas de protecção adequadas, previstas na Lei.  

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Em defesa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento

Às vezes, gosto de pensar que já nada conseguirá surpreender-me. Estudei mais, vivi mais, reflecti mais, e por isso, adoro arranjar explicações para tudo, mas a verdade é que ainda dou comigo a ficar admirada com posições de pessoas que considero, e que mostram que afinal não as conhecia tão bem como imaginava. Não é o facto de constatar que há demasiados temas que não são consensuais, ao contrário do que se apregoa. Habituei-me a analisar bem afirmações relativas aos direitos da Criança e essa conclusão é, para mim, lamentavelmente, óbvia. A concordância é demasiadas vezes, meramente aparente e basta um olhar mais atento para nos apercebermos das divergências profundas e de essência, que algumas discussões encerram.

Bastará pensarmos nas prioridades e concluiremos que inexiste consenso e que este é com frequência formal, quando não há propriamente uma real intenção de concretizar medidas, mas apenas declarações discursivas, sem essência, sem coerência…     Continuar a Ler Em defesa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento

A criança vítima e a importância da Lei

O primeiro artigo que publiquei este ano para o Blogue foi justamente sobre a Criança e o Estatuto de vítima.

Nesse texto falava sobre as múltiplas leis que vinham sendo aprovadas em Portugal e sobre as Convenções internacionais entretanto ratificadas. 

Houve tempo em que pensei que as leis eram quase omnipotentes, mas foi o tempo que me ensinou que era necessário todo um sistema favorável à sua concretização. Todavia, a consagração legal continua a ser importante por diversas razões óbvias, desde logo pela legitimação que permite, mas sobretudo porque podemos sempre invocá-la em caso de incumprimento…  Continuar a Ler A criança vítima e a importância da Lei

Os meninos acolhidos e os jovens internados

Eu sei que para as crianças as regras são sempre diferentes. 

Sim, também sei que os pressupostos são diferentes e até que as causas para estarem dentro de centros onde não estão os seus pais também são muito diferentes. 

Sim, claro, sei tudo isso. Mas também sei que merecem uma protecção especial. 

Não foi sempre assim. Houve tempo em que os pais eram donos dos filhos e podiam maltratá-los. Nesse tempo, por outro lado, havia crianças que eram encarceradas nos mesmos lugares destinados aos adultos.

Foi a evolução da cultura humanista de reconhecimento dos Direitos da pessoa e da sua Dignidade, associada  à evolução do conhecimento e da Ciência que veio consagrar Direitos específicos para as crianças, reclamando para elas uma protecção especial, devido à maior vulnerabilidade que a realidade patenteava e simultaneamente aos avanços da ciência que reclamava por um lado apoio, por exemplo nos casos em que eram vítimas de algum tipo de violência e por outro, um tratamento menos severo, nos casos em que praticassem um facto que a lei penal qualificasse como crime… 

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A Prevenção dos maus tratos em tempo de Pandemia

Iniciou-se hoje o Mês da Prevenção dos maus tratos na infância. 

Foi em Abril de 1989 que uma avó do Estado da Virgínia nos EUA colocou no seu carro um grande laço azul para denunciar a indiferença a que tinham sido votados os seus apelos à intervenção das autoridades, por saber dos maus tratos constantes que eram exercidos sobre os seus netos, um dos quais acabaria por morrer devido à violência perpetrada pelos pais.  Na sequência do enorme movimento que se gerou, o laço azul passou a ser associado à prevenção da violência contra as crianças e em Abril costumamos assinalar, como em muitos Países do mundo, essa efeméride trágica para lembrar a importância da prevenção. Só prevenindo conseguiremos evitar o sofrimento e tem sido através de Campanhas destinadas à consciencialização da necessidade de investir cada vez mais na Defesa da Criança, que temos agido com esse propósito. Todavia, continuamos a ser interpelados por notícias sobre espancamentos e toda a sorte de abusos, inclusive, sexuais sobre crianças cuja vulnerabilidade, por vezes, só entendemos quando sabemos da violência extrema a que são sujeitas…

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A violência sexual contra crianças e a importância das ONG de apoio

Só há relativamente pouco tempo houve consciência da dimensão do crime de abuso sexual de crianças.

Os inquéritos de vitimação, as reportagens, as pesquisas, os estudos, os relatórios conduziram a um conhecimento que já não é apenas resultante do empírico, e por outro lado constituem mais do que a sua confirmação, pois deixaram de ser só um assunto de ONG de sobreviventes e passaram a um patamar mais elevado com Universidades e Centros de Estudos e Pesquisa a reconhecer que se trata de violação grave de Direitos Humanos a reclamar legislação mais adequada…

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O Estatuto de vítima e a residência alternada

Em defesa das crianças 

O Estatuto de vítima e a residência alternada

O último relatório da Unicef veio mais uma vez afirmar em frases fortes e sem rodeios que a situação das crianças no Mundo não melhorou. Pelo contrário, a última década foi particularmente mortífera, não obstante a ratificação quase total da Convenção sobre os Direitos da Criança que há 30 anos foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas.

Esta constatação é dolorosa para mim, que sou jurista e gostaria de atribuir às Leis e aos Tratados um valor maior do que aquele que se vem a verificar que  efectivamente têm.

Claro que como observadora atenta destas coisas, às vezes dou comigo a pensar que se calhar sou mesmo bastante mais pessimista do que deveria, pois há pessoas que admiro muitíssimo que conseguem sempre ver algo positivo em tudo.  Lamentavelmente, logo a seguir a realidade teima em demonstrar que afinal não estava errada, que as medidas não foram eficazes, ou que se o foram, seguem-se outras que retiram os efeitos vantajosos às primeiras.

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